BASE SEM ABALOS
Moacyr Flores – 1.25, os fazendeiros das redondezas que tinham filhos em idade escolar, ou seja, entre 7 e 10 anos, contratavam os professores itinerantes, que ficavam praticamente morando na casa-sede da fazenda e só iam embora quando o aluno (ou alunos) já sabia ler, escrever corretamente e fazer as quatro operações da tabuada. Dois anos eram suficientes para esse aprendizado básico.
Passei por isso na minha infância. O padrinho, que me criou até os 10 anos de idade, contratou o professor Manoel Barreto que, durante dois anos, foi o “carrasco” que enfiou na minha cabeça o ABC, a cartilha, a tabuada com as quatro operações, os primeiros, segundo, terceiro e quarto livros de Erasmo Braga, e mais a caligrafia, que naqueles tempos fazia parte do currículo escolar.
O professor Barreto era, de fato, um profundo conhecedor de tudo que era necessário ensinar aos meninos da época e tinha autoridade bastante para, inclusive, impor castigos correcionais nos alunos rebeldes ou desleixados com os deveres. A palmatória era o instrumento oficial para essas correções disciplinares. Andei recebendo alguns bolos por algumas estripulias escolares.
Mandava a gente ler em voz alta o capítulo do livro sempre com esta observação: “Quem não entende o que lê é como ter fome sem ter o que comer” e, a cada trecho, mandava explicar o que entendeu. Se não entendesse, ele explicava bem explicado e colocava a palmatória em cima da mesa, avisando que, no final da leitura, iria exigir as explicações ensinadas.
É claro que, com a visão daquela torturante roda de cabo, a memória ficava sobressaltada e, consequentemente, para não agravar a situação, gravava os explicados do professor. Na revisão, conferindo o lido com o compreendido, quase tudo entendido, e a palmatória voltava para o seu prego na parede.
Nos fins de semana, o professor Barreto arriava o cavalo e ia para o povoado, que ficava duas léguas distante da fazenda, onde ia matar a sede “cachaçística”. Sábado e domingo, a pinga e o conhaque eram a mistura preferida para o sangue dele. Voltava na segunda-feira e, para alegria dos dois alunos, vinha bambeando no cavalo, ressaqueado das dezenas de dozes engolidas lá no povoado. Uma refeição de feijão com carne seca e, depois, dormir até o amanhecer de terça-feira.
A semana já tinha um dia a menos para o sofrido aprendizado que o professor Barreto ensinava, mas, a fim de descontar a aula perdida, dobrava as exigências, tais como ler dois capítulos, fazer o ditado maior, etc. Com essas agruras e mais umas finalizantes, foram completados os dois anos do combinado e o professor foi embora, deixando, segundo ele, os meninos preparados para o mundo.
Bem, daí para frente, a cidade grande, a escola primária da professora Celina, que já me recebeu no segundo ano, o ginásio do padre Palmeira e, efetivamente, o mundo que o professor Barreto se referia, pois o aprendizado adquirido nos torturantes ensinamentos dele foi a base bem feita para a construção de uma vida sem abalos.
Só, no final, a implosão final.